Há muitos questionamentos, principalmente de quem não é espírita, sobre como Jesus é visto e compreendido no Espiritismo Cristão. E a maneira mais simples, rápida e segura de responder é relembrarmos a pergunta 625 de O livro dos espíritos. Allan Kardec faz o seguinte questionamento aos espíritos: Qual o tipo mais perfeito que Deus já ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo?
E os instrutores espirituais, por sua vez, não titubeiam em responder: “Jesus”.
“Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque o espírito divino o animava, e porque foi o ser mais puro de quantos têm aparecido na Terra.”
Para nós espíritas, Jesus não deve ser amado como o “Cristo místico”, o “Jesus esotérico” inventado pelos homens, que dizem ter Ele ostentado um corpo fluídico carregado de mistérios e segredos caraterísticos de um Ser sobrenatural do suprassumo cósmico, Aquele que rompeu com as leis naturais ou físicas da Terra.
Na obra A gênese, item “Superioridade da natureza de Jesus”, Allan Kardec explica que o Mestre Maior, quando encarnou na Terra, esteve longe de apresentar-se com um corpo fluídico:
“Como homem, tinha a organização dos seres carnais; porém, como Espírito puro, desprendido da matéria, havia de viver mais da vida espiritual, do que da vida corporal, de cujas fraquezas não era passível. A sua superioridade com relação aos homens não derivava das qualidades particulares do seu corpo, mas das do seu Espírito, que dominava de modo absoluto a matéria e da do seu perispírito, tirado da parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres (…).”
Bônus: Saiba mais no livro Em Nome de Kardec
Assim, novamente pela concepção espírita, Jesus é Espírito puro que já alcançou o grau supremo da perfeição. Jamais está passível de sofrer as nossas paixões humanas, pois que toda paixão na Terra está condicionada ao elemento material.
Assim, acreditamos ser equivocado pensar, por exemplo, em “paixão de Cristo”, já que Ele nunca sofreu de paixões como a raiva, o rancor, o ódio, o egoísmo, a inveja, as inseguranças, muito menos das paixões físicas como o frio, a fome, a sede ou mesmo a saciedade.
O amor do Cristo não é o amor passional, carnal, instável, intermitente, como o amor grosseiro dos homens. O amor de Jesus é de natureza espiritual, que só iremos conquistar quanto atingirmos o patamar de espíritos puros. Para isso, naturalmente, temos ainda muito chão a percorrer por meio das muitas reencarnações a cumprir.
Jesus, o próprio Deus?
Uma das grandes contradições evangélicas compreendidas pelo Espiritismo é, sem dúvida, a tentação de Cristo. Ainda em A gênese, quando Kardec explica os milagres de Jesus por meio de uma mensagem (do Evangelho de João) sobre a tentação de Cristo, ele deixa evidente que os milagres e as tentações crísticas foram ressignificadas por parábolas, que são produtos de narrativas alegóricas criadas pelos homens em suas épocas.
Allan Kardec nos ensina a nunca ler textos evangélicos ao pé da letra, e que devemos sempre separar deles as ingenuidades, fantasias e analogias tão comuns. Inclusive, sobre separar o joio do trigo literário, o próprio João Evangelista, quando encarnado, teve muita dificuldade de lidar com a compreensão da natureza espiritual de Jesus, classificando-o, erroneamente em seu Evangelho, como se fosse o próprio Deus. Isso fez nascer o dogma da Santíssima Trindade, já que João avivou Jesus como tão grandioso que julgou ser o Cristo o próprio Deus. Compreendendo as limitações do pobre João, todos esses enganos evangélicos ocorrem por causa da enorme dificuldade humana de se compreender a natureza de um Espírito puro como é o caso de Jesus.
O Evangelho – segundo o Espiritismo
Em 1864, Allan Kardec publicou a sua terceira obra espírita sob o título, O evangelho segundo o Espiritismo. Interessante observar que, para escrever este livro, ele utilizou-se da Bíblia Sagrada, especialmente da versão do novo Testamento interpretada por Le Maistre de Sacy, um sacerdote teólogo e humanista francês.
Mas afinal, por que Allan Kardec não a intitulou apenas de O Evangelho? Sabendo muito bem com o que estava lidando, Kardec organizou O evangelho segundo o Espiritismo tendo em mente que todo texto evangélico deve ser interpretado segundo uma teoria, ou seja, segundo a teoria espírita para interpretar o Evangelho.
Portanto, para nós espíritas, em coerência com os ensinamentos da Doutrina dos Espíritos – que exigem sempre balizas pela razão e pela fé raciocinada –, não podemos sustentar qualquer conceito evangélico de paixão ou de tentação de Cristo, muito menos que Jesus é o próprio Deus.
Jesus buddy Christ
Ao longo dos tempos, estamos ressignificando Jesus Cristo sempre de acordo com os nossos interesses pessoais e também sociais. O antigo “Cristo do juízo-final” (que é o Cristo condenador idealizado pelo apóstolo Mateus em seu capítulo 25) está literalmente fora de moda nos dias de hoje. E aquele Jesus da imagem do crucifixo – dolorosamente pregado na cruz – também está em completo desuso, sendo rebatizado pela expressão, wholly depressing, ou seja, totalmente deprimente.
Em contrapartida, o Cristo salvador, representando a salvação divina, está popular e em plena ascensão. Pelas ruas, é cada vez mais comum lermos: Este carro pertence a Jesus; Propriedade de Jesus; ou Só Jesus salva. Em verdade, com estas manifestações de terceirização, relegamos as nossas responsabilidades ao divino. A nossa atual relação com Jesus é, na maioria das vezes, egoísta, voltada aos interesses do eu…
Não se vibra mais pelo nosso País, mas por mim, pelo meu umbigo e pela minha família… A grande família terrestre, em busca da fraternidade universal, vem perdendo a sua identidade nos tempos líquidos de uma sociedade composta por eus… Temos hoje, como em tudo, inclusive nas leis civis, uma religião dos nossos direitos, mas nunca dos nossos deveres.
Queremos o Jesus legal, “pra frentex”, Jesus buddy Christ, Jesus Cristo amigo/umbigo e sempre ao nosso lado e de preferência sem nos exigir compromissos ou obrigações. Este parece ser o Cristo contemporâneo que estamos edificando na matéria…
Espiritismo cristão, a revivescência do Evangelho
Lembremo-nos que o Espiritismo cristão é a revivescência do Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo. Em sintonia com a crença espírita que abraçamos, observemos a necessidade de governarmos o patrimônio das dádivas espirituais recebidas do Plano Superior sempre com bom senso, a fim de não relegarmos valores celestes ao menosprezo, crendo que as nossas obrigações com Jesus se acham cumpridas. A nossa casa é o mundo inteiro e a nossa família, a humanidade…
Você pode conhecer mais sobre os espiritismo através das obras fundamentais: O livro dos espíritos, o Evangelho segundo o espiritismo, O livro dos médiuns e a Gênese. E no livro Em Nome de Kardec, você vai descobrir quais foram as razões do desaparecimento do Espiritismo na França.