Manhã de 31 de março de 1869. Amélie-Gabrielle Boudet, mais conhecida como Madame Allan Kardec, rapidamente subia as escadas do apartamento do casal na passagem Sant’Anne, nº 59, Paris. Ao adentrar, ela notou uma movimentação muito estranha em sua sala. Eram os confrades Alexandre Delanne e o senhor E. Muller, que se encontravam completamente desolados… Horas mais tarde, estas tristes palavras seriam impressas num telegrama escrito pelo mesmo senhor E. Muller, e remetidas aos confrades da cidade francesa de Lyon:
“Amélie encontrava-se como uma estátua explodida. Seus olhos, vagando ao longe, não derramaram lágrimas. Ela estava desesperada por ter estado ausente, não sendo capaz de segurar a mão dele no momento supremo (…).”
Allan Kardec estava morto! “O fundador da Doutrina Espírita, o Patriarca do Espiritismo, o mestre, não vive mais entre nós como espírito encarnado”, foi o que escreveu a revista madrilena El Criterio Espiritista.
Viúva Kardec, então com seus 74 anos de idade, refletiu sobre as amorosas convivências do casal até aquele momento, as mesmas que apontavam para incríveis 37 anos de felicidade tranquila e segura ao lado de seu companheiro e confidente inseparável, aquele que havia escrito O livro dos espíritos – inaugurando a Filosofia Espírita no mundo.
Talvez, mesmo sem saber, em suas reflexões íntimas diante da súbita partida do mestre, a viúva Kardec estava iniciando a elaboração de seu próprio luto.
Não adianta negar o luto!
Testemunhas presentes no funeral de Allan Kardec não notaram a presença da viúva. Tudo indica que – desmoronada psíquica e moralmente – ela se resguardou em casa. O ano seguinte mostra como a enlutada Amélie enfrentou a difícil situação daquele vazio em sua vida. Ela se ocupou de diversos afazeres espíritas, a fim de vivenciar o seu luto com dignidade e coragem. Ao lado do amigo, sr. Joly, ela ajudou a planejar a construção do monumento fúnebre à memória de Kardec, que está hoje no cemitério do Père-Lachaise, em Paris. Guerreira, enfrentando a pior perda sentimental de sua vida, encarou empreiteiros, escultores, gravadores, pedreiros, além de enfrentar os administradores do cemitério que a apressavam à conclusão da obra fúnebre kardecista, que obstruía parte de uma ala inteira do cemitério.
Foram meses árduos de planejamento, tento ainda que constatar o genocídio urbano da Comuna de Paris (Guerra civil que se instaurou na cidade à época), que prejudicou sobremaneira a inauguração do túmulo, prevista para 31 de março de 1870. Outra grande perda para Amélie, nesta época de dores e lamentos, foi constatar que a Revista Espírita caminhava à falência, já que boa parte dos assinantes passou por dificuldades durante a sangrenta Guerra.
Bônus: Saiba mais sobre a história de Allan Kardec
A elaboração do luto da mulher mais importante do Espiritismo francês não aconteceu antes de cinco anos, permanecendo Amélie fiel às vestes do luto, típicas da época. A mesma Revista Espírita, edição de março de 1883, traz pistas seguras sobre o fim de seu luto, ao dizer que “Madame Allan Kardec provou, especialmente, mais independência depois de 1874, quando os membros da Sociedade deixaram de fazer suas visitas anuais à villa Ségur.”
Como Madame Kardec lidou com a perda de seu marido
Os fatores que auxiliaram na elaboração do luto da viúva Kardec, por exemplo, foram as tomadas de ações simples e práticas em seu dia a dia, que podem ser naturalmente adotadas por qualquer pessoa que passe, ou mesmo que esteja passando por uma perda na vida, especialmente a de entes queridos.
Em verdade, viúva Amélie não se acomodou por muito tempo dentro de casa. Essa é uma primeira e ótima ação a ser tomada pelos enlutados contemporâneos. Como vimos, ela entregou-se à criação e acompanhamento da execução do monumento fúnebre à memória de Kardec. Ocupou-se também da criação da Sociedade Anônima (1870) e da Sociedade para a continuação das obras espíritas de Allan Kardec (1873).
Na sua residência, ao lado de sua amiga Berthe Fropo, não abriu mão de evocar o suposto Espírito Allan Kardec, além do comparecimento anual nas sessões de comemoração ao Dia dos Mortos, sempre em 1º de novembro de cada ano. Inclusive, esse célebre evento espírita foi criado por ela, também para ajudá-la a lidar com a partida prematura do marido, ao mesmo tempo em que auxiliava outras famílias francesas a enfrentarem seus lutos e perdas.
E quando acabará o meu luto?
Prazos são muito relativos e dizem respeito a cada enlutado – sempre de acordo com o tipo de vínculo afetivo estabelecido com quem desencarnou. Quando mais vínculo sentimental, mais estendida e complexa será uma elaboração. A dor é proporcional ao espaço que a pessoa ocupava em nossa vida…
Alguns psicólogos, além de outros especialistas em lutos e perdas, falam em 12 meses. Entretanto, faz-se importante observar os seguintes princípios para quem perde algo ou alguém importante na vida:
– Respeitar o próprio tempo;
– Respeitar o tempo do outro;
– Valorizar o que se sente;
– Compreender as lágrimas;
– Falar do morto deixando ele ir;
– Lembrar que cada indivíduo tem o seu jeito de chorar e de sofrer.
Por fim, durante o luto, é essencial que se promova uma libertação de sentimentos. Chore o quanto precisar chorar. Viva intensamente esse momento e compreenda o que está sentindo. Não represe o choro! Se permita! Não tenha vergonha de extravasar os seus sentimentos. A nossa vovó Kardec se permitiu. Faça o mesmo!
Abaixo deixamos dois links sobre o tema, para você conhecer um pouco mais sobre o luto e o espiritismo:
Luto e doutrina espírita – como lidar com a perda: https://arquivorbn.radioboanova.com.br/evangelho_e_reforma/luto-e-doutrina-espirita-como-lidar-com-perda/#:~:text=Não isole – mesmo sem estar,lado de quem se ama.
Como viver o luto em família, com o psicólogo espírita Alberto Almeida: https://www.youtube.com/watch?v=tZ9vwHps088
Ainda conhecemos pouco sobre a ação dos amigos espirituais, quando enfrentamos o perigo da morte. No livro Médicos de almas (Acesse Aqui), aprendemos um pouco mais sobre a ação dos médicos do espaço nos momentos que enfrentamos o risco da morte, e como nossas condutas contribuem para a saúde ou para a doença.